COSTA, Herminsten Maia Pereira da; João Calvino 500 anos. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, 400p.
A
obra, “João Calvino 500 anos”, apresenta um conteúdo claro não apenas pelo modo
da escrita como também pela forma sistemática dos assuntos tratados que ao ser
desenvolvido, permeou com bastante profundidade as realidades que envolveram a Reforma
Protestante bem como a vida do grande reformador João Calvino.
Logo
no início, a obra se dedica em apresentar detalhes pertinentes do contexto em
que ocorreu a Reforma Protestante bem como o pano de fundo dos acontecimentos
antes dela, especialmente a decadência da Igreja Romana.
O
livro se preocupa em destacar que a Reforma, não aconteceu como um movimento de
pessoas fora da igreja, muito pelo contrário, servos de Deus, piedosos, de
dentro da Igreja Romana, é que promoveu uma revitalização, mas ocasionando a
Reforma. Reforma esta, que era revolucionária, no sentido que ao abraçá-la, era
impossível a pessoa continuar vivendo do mesmo modo. Assim, a Reforma não
apenas, gerou mudanças no pensamento religioso, como também comportamental,
pois a Reforma foi um movimento religioso bem como teológico em um tempo
marcado pelo Renascimento e o Humanismo, e aconteceu, em um período de grande
decadência moral da igreja.
A
busca de uma igreja afastada da enfermidade que a atual igreja passava e que
fosse comprometida com a Bíblia, se tornando uma igreja cada vez mais pura.
Para isto, existe a necessidade do retorno à Bíblia, que é autenticada por ela
mesma, mas este retorno e incentivo à leitura da mesma é algo extremamente
difícil, pois a taxa de analfabetismo era muito alta. Mas havia o esforço,
mesmo assim e até antes da Reforma, de aproximar a Bíblia do povo, fazendo
traduções na linguagem falada.
Após
o contexto em que ocorreu a Reforma ser apresentado, a obra se dedica em
apresentar o grande Reformador e pensador João Calvino, observando a sua vida
bem como os seus escritos. Homem que desejou analisar a Bíblia com
autenticidade, fugindo de qualquer desvio proposital em suas interpretações e
que desejou um cristianismo simples e transformador.
João
Calvino, pessoa de grande capacidade e que se dedicou aos estudos, levou sempre
uma vida sem exageros e distante de um comportamento imoral e dissoluto se
converte a Cristo por volta de 1532-1534. Tempo este em que o povo estava
vivendo um momento importante, pois as obras eram escritas e publicadas e
assim, o conhecimento estava ao alcance de mais pessoas.
João
Calvino estava inserido no contexto do humanismo, que era a valorização do
homem e que o homem poderia resolver seus problemas encontrando solução nele
mesmo, ou seja, um olhar para dentro de si mesmo. Os desejos dos homens eram
buscados não em Deus, mas a partir do que cada um podia estruturar para si. Era
a “valorização do homem pelo homem.”
Calvino,
como humanista, era aquele que valorizava o homem, que se importava e
interessava pelo homem.
Após
esta parte inicial que se encontra a apresentação de Calvino, homem que surgiu
como um grande reformador, agora o livro se dedica ao pensamento de Calvino,
iniciando pela sua hermenêutica que tinha como base a Bíblia, pois esta era
para Calvino, a palavra que não deve ser negociada.
A
Bíblia, no pensamento de Calvino, é suficiente, pois é completa e ela mesma é
quem a interpreta melhor. É o livro divino em sua origem e humano no seu
registro. Tudo isto é fato muito pertinente na época, pois era defendida na
igreja Católica a tradição como peso igual ou até superior ao da Bíblia e o
pensamento de Calvino é completamente diferente.
Para
Calvino, a Bíblia é quem direciona o viver e proceder do homem e é a revelação
suficiente e completa de Deus ocupando o centro da teologia de Calvino.
Continuando
na segunda parte do livro, que vai até ao seu final, a abordagem agora é de uma
análise do pensamento de Calvino, quanto a sua crença na doutrina da eleição.
Após
iniciar, destacando as Escrituras, a obra destaca que a eleição, é uma
abordagem Bíblica, amplamente ensinada nas Escrituras e é a partir do texto
bíblico que Calvino desenvolve a doutrina da predestinação. Além da clareza
desta verdade na Bíblia, fica evidenciado que a soberania de Deus tem um lugar
preeminente no pensamento de Calvino.
A
obra destaca com muita beleza, o fato de a eleição não ter acontecido fora de
Cristo, pois fora dele, não há salvação. Eleição esta que pressupõe a
depravação do homem, por isso, o homem está inabilitado de buscar
espiritualmente a Deus, mas Jesus é aquele que na história morreu pelos seus
que foram dados na eternidade de modo gratuito para os que são eleitos.
Fazendo
uma abordagem exegética de alguns textos, vale ressaltar a gratidão dos eleitos
por ter Deus abençoado na eternidade, benção esta comunicada ao longo da
história.
Após
o desenvolvimento do pensamento de Calvino e sua compreensão profunda quanto à
eleição, existe um olhar para o homem como imagem e semelhança de Deus. É uma
análise da antropologia bíblica na compreensão de Calvino que a obra se dedica
neste momento.
Logo
nas primeiras palavras, fica evidente que Deus é quem criou o homem, mas a
indagação sobre o homem é forte e permeia a humanidade. Embora fosse Calvino um
humanista, não o era de modo secularizado. O homem, na ótica do reformador, não
era o centro de tudo. O homem, não deve olhar para dentro de si para se
conhecer, mas deve olhar para Deus. Uma vez que é imagem e semelhança não dele
mesmo, mas de Deus. Como imagem de Deus, o homem precisa ser respeitado e este
ponto é fundamental para o convívio social. Mais uma vez, deparamos com a
valorização do homem a partir da teologia de Calvino. Afinal, o homem é aquele
amado por Deus que recebeu dele atributos.
No
capitulo sexto, Costa se dedica a espiritualidade de Calvino. Este entendia que
todo pensamento teológico se relaciona com a vida piedosa, por isso que a
teologia de Calvino, surge a partir da própria tentativa do mesmo, em
compreender e comentar a Palavra de Deus. Isto aliado ao modo de vida daquele
que ama a Deus, e a oração, são os pontos que se destacam na abordagem da obra
aqui neste capítulo. Quanto à oração, existe nos escritos de Calvino, uma
dedicação profunda e uma ampla abordagem, tal era a importância dela em seu
pensamento afirmando ser a oração o exercício da nossa fé na providência de
Deus. Assim, a oração deve ser um exercício praticado com muita frequência e a
aproximação da Bíblia é o maior estímulo da oração e é a própria Bíblia, que apresenta
o modelo de oração e não se deve recorrer a um modelo próprio de oração, tendo
como suprassumo, a oração do Senhor.
A
oração deve ocorrer, pois é uma ordem de Deus, mas quando tudo está bem,
dificilmente recorremos à oração. Calvino, diante desta realidade, apresenta a
ideia de ter uma prática sistemática de oração, para que ela não seja
negligenciada pelos cristãos. A respeito da oração pública, o texto lembra que
Calvino destaca a necessidade de uma oração clara e compreensiva para que o
povo assimile o que está sendo apresentado a Deus para a edificação de toda a
assembleia.
Percebe-se
no capítulo sétimo, a compreensão de Calvino quanto ao culto cristão. Na
teologia de Calvino, aqui é abordagem de um ponto central, afinal, o homem foi
criado para glorificar a Deus. O texto destaca o vazio do homem como a
necessidade que o mesmo tem de buscar a Deus e o culto certamente é o modo mais
amplo do retorno do homem, imagem e semelhança de Deus, para o próprio Deus
sendo o culto, completamente teocêntrico.
Na
abordagem sobre o culto, a obra aborda o sacramento da Santa Ceia. Sacramentos que
para Calvino eram sinais visíveis representando uma realidade espiritual.
Outros elementos do culto era a música com um papel importantíssimo e bastante
característico do culto protestante e a oração que era feita espontaneamente. O
culto para Calvino tinha, portanto, a Bíblia como o centro, os sacramentos que
são a santa ceia e o batismo, o canto e a oração como partes fundamentais do
culto que era uma forma de testificar a fé.
Existe
agora o destaque quanto à preocupação de Calvino frente à educação e o quanto a
educação era importante para a Reforma, bem como, para o próprio Calvino. “A
reforma e a educação” é a proposta da obra a esta altura. A reforma se
desenvolve em torno do livro sagrado e ganha força com os escritos dos
reformadores, por isso, o analfabetismo era um empecilho à expansão da Reforma.
A preocupação dos reformadores quanto à educação, não se limitava ao ensino da Bíblia,
mas uma educação ampla que ia do espiritual até o secular, pois com a educação,
o homem estaria preparado para servir a Deus na sociedade. A importância da
educação refletia não apenas nos que eram servos de Deus, mas devido a graça
comum, mesmo aqueles que não serviam a Deus, eram úteis para sociedade. E uma
prova do comprometimento de Calvino com a educação, foi instituição do ensino
gratuito e obrigatório em Genebra para todas as crianças no chamado College de
Rive e a fundação da Academia de Genebra. O que se conclui é que Calvino não
mediu esforços para criar um sistema educacional amplo a ponto de livrar o
homem da escuridão do não conhecimento.
A
obra de Costa chega ao penúltimo capítulo e agora aborda “a ética social de
Calvino”. O livro se preocupa em apresentar o pensamento no decurso da
história, destacando a compreensão católica quanto ao trabalho que dizia que
trabalho tinha como finalidade não o enriquecimento, mas a manutenção do nível
social no qual o indivíduo nasceu. A Reforma surge e resgata o pensamento
cristão do trabalho, pois este confere ao homem dignidade e valor, pois na
visão de Calvino, o trabalho era o chamado de Deus para o individuo para o progresso
de toda raça humana. Dentro do pensamento ético social de Calvino três
destaques pertinentes são feitos: o trabalho para o sustento digno, a poupança
para que haja provisão em tempos necessários e a frugalidade que é a luta
contra o desperdício, afinal, somos administradores daquilo que Deus tem nos
dado. Assim, o livro, a partir da compreensão de Calvino, chama o leitor a ser
grato a Deus.
E
por fim, o capítulo décimo, mostra como Calvino percebia a ciência e como
interagia com a mesma. O capítulo inicia dizendo que a ciência sempre começa
com um ato de fé e continua analisando a ciência e sua compreensão tanto no
passado quanto no pensamento moderno. A ciência trabalha com o experimento e
sem dúvida alguma que o conhecimento, mesmo o novo conhecimento é muito
importante sem desprezar o antigo. Depois de uma observação no desenvolvimento
científico e uma análise de grandes cientistas, a obra apresenta uma tensão ao
inserir Calvino no diálogo neste contexto de desenvolvimento científico, mas é
um engano acreditar que Calvino desprezava a ciência, o problema para a época
tinha muito mais a ver com o senso comum. Não apenas Calvino, mas o mundo
estava experimentando uma nova proposta de conhecimento a partir da observação
científica, mas as teorias de Copérnico, inovadoras, importantes, mas
absolutamente novas, nunca foram comentadas em escritos por Calvino. O fato
novo da forma da terra e de seu movimento, não era abordagem essencial de
Calvino, senão que Deus é o Criador e preservador de tudo. Nas últimas páginas
da obra há o destaque do inigualável conhecimento de Deus em contraste com
limitado conhecimento do homem. Deus como a fonte de todo conhecimento, pois é
o autor de todo conhecimento.
Enfim,
a obra é rica em detalhes e situa muito bem Calvino e a Reforma Protestante na
história e no contexto religioso, permitindo uma análise fascinante do grande
reformador João Calvino.